STEVE HACKETT: TÉCNICA E (MUITA) EMOÇÃO NAS SEIS CORDAS
27 de março de 2018
Fotos: Marcelo Brammer
Em turnê pelo Brasil, ex-guitarrista do supergrupo Genesis repassa a carreira dentro e fora do ex-grupo
Por Carlos Eduardo Oliveira
Parecia um túnel do tempo rumo ao progressive rock dos anos 70: na entrada, camisetas de Focus, Yes, Pink Floyd, Iron Butterfly (!) e, claro, Genesis, entres outras, indicavam que ainda existe vida em torno de um dos estilos mais subdimensionados, atualmente, na já longeva trajetória do rock. Um público ávido ocupou o Espaço das Américas, em São Paulo, na noite da última quinta-feira, para render tributo a Steve Hackett – para não poucos, o guitarrista inglês foi a “alma” da construção do estilo inconfundível que consagrou seu ex-grupo na primeira (e decisiva) fase da carreira (Hackett “pediu demissão” no longínquo 1978) .
“Desculpem meu sotaque carioca, vou tentar falar mais paulista”, descontraiu logo de saída o músico, intercalando ao inglês um corajoso – e convincente – português. Durante duas horas e quarenta minutos de uma apresentação antológica (na qual não desgrudou de uma única Gibson Les Paul), Hackett equilibrou sabiamente um setlist “mezzo a mezzo”: metades com extratos da carreira solo, metade dedicado ao Genesis.
A única exceção na lista foi a chatinha “When the Heart Rules the Mind”, hit oitentista do grupo GTR, no qual, no passado, uniu forças com outro Steve, o Howe, amigo e (ainda) guitarrista do Yes – e que na versão apresentada no Espaço das Américas soou muito melhor que o original.
Hackett é de uma brutal elegância à guitarra. Seus acordes e fraseados são sempre limpos e “redondos”, e seu estilo em cena, pra lá de cool. Ao compilar em show seu material solo (quase três dezenas de álbuns, incluindo cinco dedicados à música clássica e um dedicado ao blues), o simpático guitarrista entrega uma espécie de, digamos, progressive powerpop com leve pegada jazzy, emoldurado por longas passagens instrumentais.
E o que é melhor: sempre subvertendo padrões estéticos da canção. Ousados, modernos, seus arranjos nunca são o fácil, o óbvio, há sempre um quê diferenciado,, aqui e ali (“Icarus Ascending” tem toques de reggae; e em , Hackett toca… gaita. Vale lembrar que ele é tido como o “pai” da técnica do tapping (consiste em tatear as cordas do instrumento), mais tarde popularizada por Eddie Van Halen. Aliás, o cara esbanja boa forma, do alto de seus 68 anos.
Destaque também para a excelente banda que o acompanha, na qual brilham o multi-instrumentista Rob Townsend e também Jonas Reingoldt, exímio baixista. À medida que a apresentação progride, a presença até então um tanto discreta do cantor Nad Sylvian se faz notar.
Contemplando as duas fases do Genesis (com Peter Gabriel e, sucedendo-o, o baterista Phill Collins nos vocais), a releitura de Hackett dedicada ao ex-grupo resgatou um baú de preciosidades. E esses tesouros encontraram em Nad Sylvian um intérprete ideal – ao invés de emular os originais, o cantor americano (criado na Suécia) saiu-se bem ao imprimir a sua “verdade” sobre o Genesis.
A festa começou com a belíssima “Dancing with the Moonlight Knight”, saltou para a fase Collins (com a épica “One for the Vine” e “Inside and Out”), para retornar às origens do ícone do rock progressivo e daí não mais saiu: “The Fountain of Salmacis”, “Fitfh of Fitfh”, “Musical Box”… E o que dizer da suíte “Supper’s Ready”, executada na íntegra de seus 23 minutos? O gran finale com “Los Endos” sacramentou uma noite que prova que a cena rock setentista ainda importa. Ponto para mr. Hackett.