FESTIVAL SÃO PAULO TRIP: ALICE COOPER PODEROSO E GUNS’N’ROSES QUEBRANDO TUDO
28 de setembro de 2017
Por Carlos Eduardo Oliveira
O fechamento do festival SÃO PAULO TRIP, na capital paulista, não poderia ter sido melhor. Começando com Alice Cooper, em plena forma aos 69 anos, de volta ao Brasil com o show de sempre – o que é ótimo. Seu rock’n’roll power com pitadas glam passa no teste do tempo e surge temperado pelo freakshow roqueiro que ele mesmo inventou, e que ainda diverte à beça: sangue, explosões, carrascos sadomasô, enfermeiras libidinosas, eletrocussões, e a famosa cena de sua decapitação. Mestre em revelar guitarristas competentes, dessa vez Tia Alice trouxe a tiracolo a sensual californiana Nita Strauss, que fez estragos na guitarra e no coração de marmanjos no Allianz Park – no bis, ela exibiria camiseta do Sepultura.
Com um som extremamente pesado, beirando o metal, “Brutal Planet” abriu os trabalhos, seguida de três clássicos eternos do cantor que esquentaram de vez o show: “No More Mr. Nice Guy”, “Under My Wheels” e “Billion Dollar Babies” – este, com Cooper distribuindo “dólares” com uma espada. E se em “Women of Mass Destruction” brilha o solo hipnótico de Nita Strauss, a longa e intrincada “Halo of Flies”, com suas diferentes passagens e tempos, resgata o que de melhor o mestre gravou no começo da longa carreira.
A balada “Only Women Bleed” reafirma o grande intérprete que Cooper é. “I Love the Dead” e “I’m Eighteen” fecharam o set, antes do bis com o hino “School’s Out”, com participação especial de Andreas “Sepultura” Kisser. Grande show, com gosto de filmes B e sabor de Vincent Price. Volte logo, Tia Alice.
O que aconteceu no Allianz Park durante a passagem por São Paulo da turnê Not in This Lifetime do Guns’n’Roses só os deuses do rock explicam, se é que eles existem. A primeira lição: nunca desacreditar nos fãs de Axl Rose, Slash e cia., que deram demonstração de força mesmo em plena terça-feira. Depois, uma apresentação anunciada como de três horas de duração suscitaria dúvidas sobre o vocal de Axl, que andou falhando em shows recentes. Bem, sua voz está audivelmente estranha, sem o viço do passado. Alcança os agudos e notas mais altas, mas, ainda assim, não é a mesma. Isso, entretanto, ficou muito, mas muito longe de empanar um concerto como há tempos não se via – o melhor show que o grupo já fez no país. E no qual a garra e a entrega de Mr. Rose foram impressionantes.
O Guns foi a única banda no festival a ter, por instantes, problemas de som, embolado a partir de “It’ So Esay”, na abertura, mas logo solucionado. Sabe-se que a “cozinha” (baixo + bateria) nunca foi o forte do grupo (à exceção quando Matt Sorum ocupou as baquetas) – Frank Ferrer, atual baterista, é bom, mas o baixista Duff McKagan não é lá essas coisas. Mas quem tem Slash tem tudo, e não demora a impressão de que, como sempre, o guitar hero “carrega a banda nas costas”, puxando o resto do time ao seu limite. Isso fica mais patente em passagens instrumentais com Axl ausente do palco, quando o GNR mostra de fato o poder de fogo de seu hard rock.
“You Could be Mine”, “Live & Let Die” (Paul McCartney), “Wellcome to the Jungle”, “I Used to Love Her”, “Patience”. Nenhum hit escapou. Nem os sub-hits, como “Yesterdays”, “Rocket Queen”, “Mr. Brownstone”. O monumental (e tradicional) solo de Slash com o tema de “O Poderoso Chefão” foi a senha para o estádio explodir com “Sweet Child O’Mine”. Boa parte do brilho do show deve ser creditada ao repertório dos discos Use Your Illusion I e II, que pautou a apresentação do começo ao fim – momentos como “Civil War”, “Estranged” e “November Rain”, esta com o delicado piano de Axl, foram sublimes. E o que dizer dos covers pra lá de inspirados? Soundgarden (“Black Hole Sun”), The Who (“The Seeker” – quase ninguém reconheceu), Pink Floyd (“Wish You Were Here”, com trecho de “Rain Song”, do Led Zep, no final). Coube até – quem acreditaria? – James Brown (!), em versão “branquela” (mas eficaz) de “I Got You” (aquela, do “I Feel Good”).
Ao longo das três horas e quinze minutos, em nenhum momento o show “caiu”. “Knocking on Heaven’s Door” (Bob Dylan) e “Nightrain” fecharam o set em alta voltagem, antes do bis com cinco canções e “Paradise City”, já com as luzes do estádio acesas, muita fumaça e fogos explodindo, coroar uma noite memorável. Até Slash saiu (literalmente) plantando bananeira!
Um balanço do SÃO PAULO TRIP aponta números favoráveis não apenas de público (perto de cem mil pessoas em quatro dias de festival), mas também um balanço artístico para lá de positivo, com momentos antológicos proporcionados por Who, Aerosmith, Guns. O som também esteve impecável. No mais, a festa transcorreu sem grandes incidentes, com circulação interna e entrada e saída de público funcionando bem – idem para o trânsito nos arredores. Ano que vem, já comenta-se, tem mais.