Em noite nostálgica, Phil Collins faz público chorar e dançar em SP
26 de fevereiro de 2018
Phil Collins esteve no Brasil apenas uma vez, em 1977, quando fazia parte da banda de rock progressivo Genesis. No começo da década seguinte, o músico inglês saiu em carreira solo e tornou–se um mega astro, concentrando sua produção musical em baladas e canções pop dançantes. Mas em meados da década de 1990, a vida e a carreira dele foram marcadas por uma série de altos e baixos: crise criativa, divórcio, depressão e alcoolismo, além de inúmeras enfermidades. Um problema nas costas o impediu de tocar bateria. Collins, então, anunciou que estava se aposentando, pelo menos dos palcos.
Mas o músico, instigado nostalgia crescente em relação à década de 1980, repensou esta posição e chegou à conclusão de que ainda conseguiria passar mais um tempo na estrada. Encarou vários tratamentos médicos e sessões de fisioterapia para ter condições de viajar e fazer shows novamente. Parafraseando um de seus grandes hit, “Against All Odds” (algo como “contra todas as probabilidades”), ele voltou à cena. Hoje, aos 67 anos, está rodando o mundo com uma turnê ironicamente chamada Not Yeat Dead (algo como “Não Estou Morto Ainda”), que na noite do último sábado, 24, passou pelo Allianz Parque, em São Paulo. Ele já havia se apresentado o show aos cariocas na quinta-feira, 22, no estádio do Maracanã. Assim como no Rio de Janeiro, a noite em São Paulo foi especial – Collins teve casa cheia (com um público por volta de 45 mil pessoas) e foi recebido calorosamente pelo grande público.
Antes de Collins subir ao palco, matamos a saudade de Chrissie Hynde, líder do The Pretenders. O carisma da cantora e guitarrista e o excelente repertório da banda sempre trazem frescor à qualquer apresentação do Pretenders. Por cerca de 60 minutos, The Pretenders fez um show compacto e eficiente. A apresentação teve covers como “Forever Young” (Bob Dylan) e velhos clássicos (“Back On The Chain Gang”, “Don’t Get Me Wrong” e “Middle of The Road”, que encerrou a apresentação). Chrissie Hynde, toda vestida de preto e com uma camiseta com o logo da banda, estava em forma e muito bem-humorada. Ela garantiu um excelente aperitivo para que o clima oitentista seguisse intenso.
Phil Collins entrou em cena às 21h, com muita dificuldade e com a mão esquerda apoiada em uma bengala. Também trajando roupas escuras, o rei do pop adulto logo sentou-se em uma cadeira posicionada no meio do palco. Além de não poder mais tocar bateria por causa de problemas que teve na coluna e nas pernas, ele também não consegue mais se virar no piano, já que também perdeu a sensibilidade as mãos. Claro, foi uma frustração não poder vê-lo executando estes instrumentos. Mas a banda dele, que conta com filho Nicholas, de 16 anos, na bateria, e músicos veteranos como o barbudo baixista Leland Sklar e o guitarrista Daryl Stuermer, que também tocava no Genesis, compensaram plenamente. O músico veio com uma pequena big band – no palco, estavam quase 15 pessoas, incluindo um quarteto vocal. O naipe de metais, por exemplo, foi muito presente nos momentos mais dançantes e agitados da apresentação.
Se o corpo está bem baqueado, pelo menos a voz de Collins segue inconfundível: era fechar os olhos e imaginar estar nos anos 1980. O artista já abriu a apresentação com uma pedrada romântica, a já citada “Against All Odds (Take a Look at Me Now)”, tema do filme Paixões Violentas, de 1985. “Olá, São Paulo. Estou feliz que vocês vieram. Muito obrigado. Mas meu português se limita a isso”, falou ele logo depois de entoar a canção. “Another Day in Paradise” do LP …But Seriously, de 1989, também foi muito festejada pelo público. A conhecida “I Missed Again”, de Face Value (1981) disco de estreia dele, foi a seguinte a aparecer no set list.
Já ficava a impressão que a apresentação seria mesmo uma espécie de “Greatest Hits ao vivo”. Mas Collins também executou algumas faixas mais obscuras como as seguintes, “Hang on Long Enough” (de … But Seriously) e “Wake up Call” (de Testify, 2002). Quando tocou “Throwing It All Away”, de Invisible Touch (1986), Collins começava a homeagem ao Genesis. Ele seguiu com “Follow You Follow Me”, grande sucesso da antiga banda dele lançado em 1977. Este foi um momento agridoce. O telão ao fundo mostrava uma colagem de imagens de Collins nos tempos do Genesis, ainda jovem, ostentando mullets e as roupas bizarras das décadas de 1970 e 1980. Foi somente através deste vídeo nostálgico que o público pode vê-lo tocando bateria.
O álbum No Jacket Required (1985) foi relembrado com o rock “Only You Know And I Know”. Depois de apresentar a banda, Collins juntou-se à vocalista Bridget Bryant para um dueto da balada soul “Separate Lives”, composição de Stephen Bishop. Esta faixa, incluída na trilha do drama Sol da Meia-Noite, (1985), havia sido gravada originalmente por Collins e a cantora Marilyn Martin. Para compensar o clima meloso, “Something Happened on the Way to Heaven”, outra faixa de …But Seriously, veio para colocar o público para dançar.
As luzes, então, diminuíram e uma sonoridade atmosférica e insistente invadiu o estádio. Era a hora da muito esperada balada “In the Air Tonight”, canção melancólica de Face Value que Collins escreveu para falar sobre a dolorosa separação pela qual havia passado. Neste ponto da apresentação a emoção falou alto, com o público entrando no clima da canção e erguendo os braços. Foi um momento catártico para Collins e para os fãs. Ele foi muito aplaudido, mas imediatamente mudou totalmente o clima com as mais agitadas “You Can’t Hurry Love” (original do trio da gravadora Motown The Supremes) e “Dance into The Light”.
Collins voltou ao repertório do Genesis para executar o hit “Invisible Touch”, faixa-título do álbum de 1986. O pique dançante e para cima deu tom ao final da apresentação com “Easy Lover”, que ele gravou originalmente com Philip Bailey, do Earth, Wind & Fire. Os vocalistas de apoio de Collins ajudaram o astro neste momento, com grande efeito. Depois teve “Sussudio”, de No Jacket Required, canção carnavalesca que é um turbilhão de percussão e metais. Foi uma excelente dobradinha de grandes hits, executados também de forma impecável. Ao final da última, o local recebeu uma chuva de confetes e serpentina. Após um breve intervalo, Collins retornou com a também dançante “Take me Home”, outra de No Jacket Required. Neste clima de celebração, com fogos de artifício iluminando o ar, ele encerrava às 22h45 a apresentação.
Alguns fãs levaram cartazes com a frase “You’ll be My Heart”, alusão ao tema da animação Tarzan(1999), que deu a Collins um Oscar de Melhor Canção. Mas esta ficou mesmo de fora. Ainda que o artista estivesse sem condições de circular pelo palco, aqueles que olhavam para os telões viam uma figura simpática e carismática. No geral, ele falou bem pouco ao longo do show, limitando a agradecer e anunciar que iria tocar hits que certamente os fãs estavam esperando há décadas.
No final, foi uma noite de muita emoção salpicada por nostalgia, mexendo com a memória afetiva de quarentões e cinquentões. Foi uma prova de que o repertório de Collins, taxado por muitos de meloso, na verdade funciona porque ele é verdadeiro. Várias canções dele tratam da dor da separação e de percalços amorosos. Todo mundo já passou por tais agruras e as canções de Collins são a crônica deste tipo de situação. Phil Collins retorna neste domingo, 25, ao Allianz Parque. No dia 27, será a vez do público de Porto Alegre curtir a apresentação dos ex-músico do Genesis.