Em noite chuvosa, Black Sabbath se despede do Brasil
6 de dezembro de 2016
Parece que desta vez não vai ter volta mesmo. Então, esta foi a chance derradeira para os fãs aproveitarem a presença do Black Sabbath. Os patronos do heavy metal, que desembarcaram no Brasil para a turnê The End, já haviam passado por Porto Alegre, Curitiba e Rio de Janeiro e chegaram à capital paulista para o show final, que aconteceu na noite do último domingo, 4, no Estádio do Morumbi. E os músicos ingleses destilaram o mesmo repertório e a mesma postura de palco de toda a turnê.
Mas os membros originais Ozzy Osbourne (vocal), Tony Iommi (guitarra), Geezer Butler (baixo) e os músicos convidados Adam Wakeman (teclado) e Tommy Clufetos (bateria), que também tocam com o cantor do Sabbath, compensam a previsibilidade e absolutamente nenhum desvio de rota com os power chords e riffs mais malévolos e influentes de todos os tempos. Nesta viagem final do Sabbath ao cemitério, não há baladas, lados B, nem nada contemplativo. Sequer as músicas novas: até “God is Dead?”, do recente 13 (2013) foi limada. O set list da excursão só tem hits e pau puro do começo ao fim. Então, que ninguém reclame.
Em sua carreira solo, Ozzy Osbourne toca inúmeros hits do Sabbath e é cercado sempre por ótimos músicos. Mas quando ele está ao lado de Iommi e Butler, tudo fica diferente. No caso do Sabbath, não se trata de química, mas sim, de magia negra. E assim foi também em São Paulo. Uma chuva fina não parava de cair, o que acelerou a atmosfera sombria. A apresentação iniciou pontualmente às 20h30. Osbourne, em off, soltou uma gargalhada. “Estão prontos, porra?”, emendou. E o telão exibiu uma vinheta feita em computação gráfica mostrando uma cidade sendo destruída por um demônio gigantesco.
Sinos fúnebres ressoaram pelo estádio e a banda entrou com “Black Sabbath”, canção do primeiro álbum de banda, autointitulado, lançado em 1970; esta declaração de princípios, talvez a canção mais perversa já escrita, já sacudiu o estádio. O espírito satânico seguiu quando tocaram a sempre provocativa “Fairies Wear Boots”, de Paranoid (1970).
“After Forever” e “Into the Void”, ambas de Master of Reality (1971), preencheram o Morumbi com um som vasto e perturbador. “Essa aqui é sobre um treco que me fodeu”, disse Osbourne antes de tocarem “Snowblind”, a visão da banda sobre cocaína, faixa presente em Vol, 4. E, neste momento, a chuva ficou realmente intensa no local.
A ode antiguerra “War Pigs”, com suas paradas e recomeços, é um das grandes canções para se cantar junto e os quase 70 mil fãs presentes capricharam na parte “Now in darkness world stops turning/ ashes where the bodies burning”. “Behind The Wall of Sleep” e “N.I.B.”, ambas da monumental estreia Black Sabbath, trouxeram um incômodo sentimento de nostalgia pelo inicio dos anos 1970, tempos de terrorismo, crise do petróleo e de um clima de fim do mundo do qual não nos recuperamos até hoje.
A breve instrumental “Rat Salad”, de Paranoid, marca o momento em que Tommy Clufetos, que hoje assume as baquetas que antes eram de Bill Ward, mostra toda sua pirotecnia. Ao fundo, o telão instalado no palco do Morumbi, mostrou brevemente o Sabbath no esplendor de sua cafonice satânica dos anos 1970, com os músicos ostentando costeletas, calças boca de sino e cara de mau. Mas o longo solo do baterista ofereceu uma chance para o resto da banda também recuperar um pouco do fôlego.
A banda, na sequência, já entrou com tudo, ao som dos acordes de “Iron Man”, um dos mais identificáveis de toda a história do rock, ressonando pelo estádio. É claro, a casa veio abaixo com a execução deste grande hit de 1970. “Dirty Women”, de Technical Ecstasy (1976), foi mais um veículo para Iommi deitar e rolar e deixar os aspirantes a guitarrista na plateia mortos de inveja.
“Children of The Grave”, de Master of Reality, sempre é uma boa escolha para encerrar o show. Mas, é claro, ainda faltava algo. O bis, naturalmente, veio com a sempre poderosa “Paranoid”. Ozzy Osbourne se embananou com a letra, mas estava valendo – o público cantou junto e nem notou. Por volta das 22h15, o Sabbath encerrou a apresentação.
Aos 67 anos, Osbourne segue como um frontman único na história do rock, para o bem ou para o mal – desajeitado, nem sempre cantando no tom ou no tempo, mas com um jeito notável de unir os pontos convergentes do Sabbath. Desta vez, ele também se mostrou mais alerta e espontâneo, improvisando e saindo um pouco do roteiro. Até pediu desculpas pela chuva forte. Mas claro, ele lê boa parte das letras, o que foi necessário em músicas discursivas como “After Forever” e “Into The Void”.
Tony Iommi, sempre cool e elegante, vestido de negro e com a indefectível cruz pendurada no peito, dá dignidade à missa sinistra da banda. O sólido baixista Geezer Butler oferece uma sutileza jazzística à música pesada da banda – a atuação dele em “M.I.B.” é de cair o queixo. Depois de quase duas horas depois de danações, distopia e demônios, o Black Sabbath se despediu definitivamente do solo brasileiro. Todo mundo saiu molhado até o fundo da alma, mas foi mesmo memorável. Quem viu, viu.