Humanidade e alteridade: para onde caminhamos?
3 de setembro de 2018
Andar pelas calçadas e ser abordado por alguém que pede ajuda, esmola, comida, é um fato que tem sido cada vez mais recorrente no dia a dia de pequenas e grandes cidades do Brasil e do mundo. A migração interna e externa por conta de guerras e regimes políticos expõe, igualmente, a situação de descaso com a humanidade reproduzida mundialmente. A busca por melhores condições de vida e por dignidade leva grandes contingentes populacionais a se arriscarem por caminhos perigosos que podem jamais ter volta. Por outro lado, nota-se a preocupação individual e de nações na proteção de suas fronteiras para dificultar e mesmo proibir a entrada de imigrantes.
Assim, perto e longe de nós ocorrem fatos que expressam total desprezo e indiferença para com o ser humano. Ao mesmo tempo que chocam, também podem levar à banalização do absurdo, do insano, do desrespeito pelo outro e pela humanidade compartilhada entre os semelhantes. A excessiva concentração de renda, o individualismo, a egolatria (culto a si mesmo), a extrema desigualdade, elementos caraterísticos do nosso tempo, podem ser citados para buscar uma explicação do avanço da indiferença e do desprezo pelo ser humano, sobretudo, o mais marginalizado, aquele que não se encaixa nos padrões considerados “normais” em determinado contexto.
Nesse sentido, tende-se a responsabilizar apenas o indivíduo pelo seu sucesso ou fracasso total, como se o contexto e as condições históricas dependessem unicamente do sujeito. Nos discursos e nas atitudes mais comuns do nosso cotidiano impõem-se modos de pensar e agir que são considerados “normais” e “naturais”, os quais consideram o sujeito como um ser de performance, que precisa constantemente de upgrades, para que não se torne descartável. Crescer como indivíduo, aprender, formar-se numa perspectiva integral é sem dúvida uma questão fundamental para o ser humano. Mas qual o sentido e a própria possibilidade dessa formação, se ela for pensada e realizada exclusivamente no plano individual?
Nessa perspectiva, o filósofo franco-lituano Emmanuel Lévinas afirma que o desenvolvimento do mundo humano só é viável se encontrarmos, a todo momento, alguém que possa ser responsável pelo seu semelhante. Assim, o outro deixa de ser considerado um adversário que compete, atrapalha ou impede o desenvolvimento da liberdade individual, e se torna condição para o reconhecimento e a valorização da existência do ser humano. Ou seja, somos humanos, na medida em que manifestamos o nosso cuidado pelos outros seres humanos.
Quando vivenciamos catástrofes, calamidades, guerra, terror, horror, podemos ter como decorrência tanto o despertar de ações solidárias, como de recrudescimento e medo. No segundo caso, os mais necessitados, os “sem rosto”, os não reconhecidos acabam esquecidos e deixados à margem. O que fazer diante do avanço da intolerância, da arrogância, do desprezo ao outro? O fato de negar hoje a responsabilidade pelo outro pode ter como consequência ser o “outro” esquecido de amanhã.
Autor: Prof. Dr. Luís Fernando Lopes, filósofo, teólogo e coordenador do curso de licenciatura em Filosofia do Centro Universitário Internacional Uninter.